domingo, 12 de julho de 2009

A caricatura do primeiro casamento

Zero Hora, Domingo, 12 de julho de 2009
MARTHA MEDEIROS

Tenho muito interesse por relações amorosas e tudo o que as envolve. Essas relações não precisam ser necessariamente românticas também adoro histórias de pais e filhos, assim como histórias sobre fortes amizades mas o conflito gerado por um homem e uma mulher que convivem intimamente sempre me pareceu digno da maior atenção. No entanto, de um tempo pra cá, algo vem me inquietando. Essa febre de filmes, peças e livros retratando as dificuldades de relacionamento estarão sendo realistas de fato? O público se identifica, ri das pequenas tragédias que experimenta em sua vida pessoal, mas não está na hora de abrir espaço para o que não é nem tão trágico, nem tão cômico?

Mulheres são de um planeta, homens de outro. Elas se sobrecarregam no papel de esposa e mãe, eles se atrapalham com seu excesso de testosterona e eterna meninice. Elas querem mais romance. Eles querem mais liberdade. Elas são doces, eles são rudes. Todos querem amar, mas ninguém se entende. Esse é o quadro, o resto são variações sobre o mesmo tema. Fascinante, mas pode estar se transformando numa caricatura avalizada por todos nós.

Contrariando a regra, existem homens doces e mulheres rudes. Morar em casas separadas é uma saída que vem sendo considerada. Ter filhos já não é uma meta soberana. O “pra sempre” deixou de ser prazo irrevogável do amor. Nem todo homem procura a própria mãe na mulher por quem se apaixona. Nem toda mulher sonha com um protetor. Casar é algo que pode acontecer na vida de alguém, ou pode não acontecer. Há casais que vivem às turras, mas também há os que se entendem bem. Ou seja, há quem não se sinta representado por essa natureza esquizoide que virou padrão de relacionamento: se marido e mulher querem se matar, ufa, são normais.
Na peça A História de Nós Dois, que assisti recentemente no Rio e que, com talento e graça, retrata o ciclo de começo-meio-e-fim da maioria das relações atuais, me fez perceber que, das três fases do amor, nenhuma é original: a originalidade está na quarta fase, da qual se fala tão pouco.

Se a fase inicial da paixão tem um fim, se a fase do “durante” (quando os filhos nascem e as complicações aparecem) também tem um fim, então a ruptura do relacionamento, com quebra-quebra e dor intensa, também pode ter um fim, gerando a partir daí uma relação menos paranoica e mais madura, mais afetuosa e mais tolerante. Só que poucos tentam essa quarta fase com a mesma pessoa com quem viveram as três anteriores. O que é compreensível, mas nada alentador.

“Quero casar de uma vez para separar logo e aí, sim, ter uma relação bacana de verdade”. Parece piada, mas é o pensamento secreto de muitos. As pessoas estão querendo vivenciar rapidamente um destino que lhes parece inevitável (uma relação familiar com começo, meio e fim) para que possam entrar, depois, numa outra relação que possa ser curtida sem amadorismo, sem amarras, sem prazos, sem um roteiro previamente estipulado. O segundo casamento é que passou a ser o grande sonho de consumo, porque ainda não foi caricaturizado. Por enquanto.